Frei Vital, Bispo de Olinda - Por Luís da Câmara Cascudo

Nota: Tendo em vista que estamos na semana do golpe da República da Espada, república essa que destruiu o único sistema monárquico das Américas, dedicamos esta postagem a Dom Vital (para quem não sabe, um pouco de sua biografia encontra-se aqui), exemplo da resistência contra a influência da maçonaria, do liberalismo, do positivismo, e de outras doutrinas anti-tradicionais responsáveis pela destruição do Império Brasileiro.
Dom Vital, Presente!
Viva o Império Brasileiro!





Não vamos dizer que toda gente deve admirar Frei Vital, bispo, como ele assinava sempre, com a simplicidade rústica que se perfuma numa graça evocacional de martirológio. É, entretanto, uma injustiça.
Frei Vital, Bispo de Olinda, deve ser admirado por todos os homens e por todos os credos. Era justamente o esplendor da fidelidade e da coragem que louvamos em todas as religiões, em todas as ciências, em todas as idades. Ninguém o amedrontou nem venceu. Ameaça, guerra, assalto, vaia, julgamento, prisão, cadeia nunca lhe fizeram baixar o timbre da voz e a energia do gesto.
Da Fortaleza de São João, condenado a quatro anos de reclusão, escrevia, em pastoral aos seus diocesanos, março de 1874:
Enquanto, porém, sobre os degraus de seu torno dezenove vezes secular, não depositarmos o nosso báculo pastoral, enquanto Pedro não falar pela boca de Pio seremos o Pastor de vossas almas; e, em toda a extensão e redondeza do globo terráqueo, não haverá poder nenhum, à exceção do dele, que nos iniba dizer-vos com toda a propriedade e verdade: – Somos o vosso bispo!
Assim falam os homens possuídos pelo ideal.
E ao Supremo Tribunal de Justiça do Império, a linguagem é a mesma, acerba, sonora, estridente. Recusa levantar o interdito nas Irmandades porque está convencido de tratar-se de direito privativo dos bispos, independente da jurisdição civil.
… com todo o respeito e acatamento que devo a esse venerando tribunal, e, ao mesmo tempo, com toda a franqueza e energia de um sucessor dos apóstolos, declaro a Vossa Majestade Imperial que, muito a pesar meu, não posso. Não posso, porque seria reconhecer a competência do tribunal civil em matéria religiosa. Não posso, porque seria renunciar aos meus direitos. Não posso, porque seria faltar gravemente aos sagrados deveres de bispo católico. Não posso, finalmente, porque cumpre-me evitar a ignomínia de faltar por temor de penas temporais, ao meu sagrado dever episcopal; vergonha que acompanhar-me-ia desonrado à sepultura; culpa que eu não cessaria de chorar até o meu último instante; mácula que nem rios de lágrimas poderiam extinguir!
Assim falam os fortes, escolhendo, com mão firme, seu lugar na história do valor humano.
E quando o Duque de Caxias, contra o pensamento do Imperador D. Pedro II, o anistiou, Frei Vital voltou a Olinda, despedindo-se para ir morrer em Paris. Era o mesmo homem. Assim falou ele, desembarcando, a 6 de outubro de 1876:
Venham, pois, os trabalhos e as tribulações, a cruz e o cálice das amarguras; tudo sofreremos de ânimo plácido e semblante sereno. O múnus pastoral, nos ensina São Gregório Magno, e nós já sabemos por experiência, é para sofrer e não para gozar. Venha de novo o cárcere, com todas as suas privações. Já o conhecemos. Venha o desterro, temporário ou perpétuo. Venha a própria morte…
Voz que está nas gargantas predestinadas, acima do tempo, da covardia, do comodismo, da acomodação, da vitória tranquila. Voz de mártires, de sacrificados, de testemunhas. Com estas vozes fazem-se as pedras eternas da religião, os fundamentos da civilização, da ciência e das artes.
Doido! Maluco! Fanático! Dirão, ontem, hoje, amanhã. Frei Vital defendia unicamente uma doutrina que o enchia de amor e de radiosa vida íntima. E tinha o heroísmo de afirmá-la, ante tudo e ante todos no mundo. – É a obstinação valente de Colombo, de Alexandre Magno, de Pasteur, contra a corrente, contra a popularidade, contra o habitual.
Por isso, Frei Vital, bispo, está vivo e vitorioso. Dividiu as águas. Pregou a independência, a soberania, o primado do espiritual. Pediu ao Imperador que retirasse as honras aos bispos e lhes desse a liberdade do culto. Marcou com seu báculo os limites jurisdicionais de César. Previu a sabedoria da separação da Igreja na República, separação que multiplicou e sagrou o episcopado nas almas populares. Livrou o bispo de ser funcionário público. Arredou a mitra de dentro das pastas ministeriais. Levantou a cruz peitoral do tapete político.
Eis aqui, filhos diletíssimos, a norma de proceder do episcopado, traçada pela Escritura Sagrada, pelos Santos Padres e pelos cânones da Igreja: sempre caridade, sem fraqueza, sempre doçura com energia, nunca amor sem autoridade.
Um homem! …

(Texto publicado na Revista Dom Vital, Ano XIII, N. 1, págs. 28-29.)

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