"Sodades, nhá Inezita"

Sou eu um entusiasta da música caipira. 
Desde criança, nas viagens pra "roça", eu me acostumei e me moldei escutando a música caipira. Seja moda de viola, Cateretê (que em Goiás chamamos de Catira), marchinhas de Folia, desafios de acordeão, desafios de cururu, pagodes de viola, etc., tudo era aceito por todas as idades e classes sociais. Juntamente com a religião, parecia que a música era um dos componentes que davam "liga" na comunidade - principalmente a interiorana.
Mas, com o avanço da globalização (principalmente a cultural e espiritual), as pessoas deixaram de falar o caipirês para falarem o inglês (e um inglês muito chulo, mal falado, diga-se de passagem), deixaram de se reunir para fazer a Festa Junina, deixaram de se reunir para fazer a Folia em louvação ao Divino Espírito Santo, para ouvirem funk e louvarem falsos deuses (sejam eles artistas ou seitas).
Apesar deste cenário desolador, muitas vezes aparecem, aqui e ali, pessoas dispostas na manutenção da nossa cultura. Cornélio Pires, Amadeu Amaral, Amácio Mazzaropi, Mariano Silva (pai do Caçulinha), Renato Teixeira, Rolando Boldrin, Almir Sater, foram alguns exemplos.
Inezita foi uma dessas pessoas, com uma contribuição especial. A primeira marca característica em Inezita é que em tempos em que a viola era só coisa de homem, de macho, ela abriu espaço para a voz feminina neste meio. Inezita, apesar de ser famosa por ser uma música completa (desde o internacional até a MPB),  foi uma das únicas pessoas que em seu auge da fama deram tudo pela cultura popular, inclusive um programa de TV.
Além de divulgação das músicas, Inezita também fazia pesquisas de campo (ela visitou Goiás, Minas, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, fazendo registros da música caipira em cada uma dessas regiões, e era figurinha carimbada nos desafios de Cururu em Tietê, Tautí, Sorocaba, Piracicaba, etc.), estudava teorias e interpretações históricas da música caipira (para quem não sabe, Inezita sempre foi muito ligada aos livros... já chegou a ser até bibliotecária!) , e ainda lançava novos artistas (sem cobrar jabá!) e reanimava a carreira de artistas já em esquecimento. Arley Pereira, certa vez, disse que Inezita era um "Mário de Andrade de saias". Tinha razão.
Tinha razão em dizer que Inezita era um "Mário de Andrade de saias" pois Inezita não caiu em bairrismos artificiais, divulgando a música gaúcha (ela gravou um álbum clássico na temática, o álbum "Danças gaúchas", em conjunto com os titãs Barbosa Lessa e Paixão Cortês), a música caipira (os discos "Clássicos da Música Caipira" e "Jóia da Música Sertaneja" são referências musicais até hoje para o cenário cultural caipira), e a música nordestina e carioca em geral (os álbuns "Coisas do meu Brasil" e "Vamos falar de Brasil" contêm maravilhosas músicas nordestinas e sambas na voz de Inezita).
Inezita morreu. 8 de março, dia da mulher. Soube disso ontem. Recebi a notícia com muita tristeza, de como se perdesse uma vózinha, uma vózinha querida - meiga, delicada, sábia, que faz quitutes e conta histórias...
Estamos em uma época na qual todos os gênios da metade do século 20 estão morrendo. O que vai nos restar?
Apesar de não saber a resposta desta pergunta fico com profunda melancolia em não avistar os substitutos para estes títulos.

"Nhá Inezita, sodades do cê, sôh".



Bela homenagem do cartunista Maurício de Sousa




Capa do vinil "Jóia da Música Sertaneja", Inezita trajada de Caipira.




Inezita na bela capa do disco "Vamos falar de Brasil"




 Capa do disco "Clássicos da Música Caipira". Este álbum, tanto pela capa quanto pelas músicas, é um dos que eu mais admiro. Maravilhosa a fotografia, especialmente Inezita vestida de Caipira.




"Sodades"...





Versão de "Jorginho do Sertão", tão lindamente interpretado por Inezita.

Inezita comentando o escritor Cornélio Pires




1 comentários:

  Arthur

11 de março de 2015 às 04:49

Substitutos, não há. Mas gente de talento e dedicada a sua cultura, conheço um bocado. Creio, no entanto, que dificilmente se abrirá novamente para outros o espaço que ela conseguiu coquistar.